" E um rio correu também dentro da minha solidão, ali, sozinho, como estava com aquela mulher, que eu praticamente não conhecia, mas que estranhamente, e apesar de tudo, no entanto me atraía, me fascinava, me excitava mesmo, e me dizia não sei como, que nós já nos conhecíamos, e de há muito tempo. E se calhar eu sentia-me só, por isso mesmo, porque, afinal, por fim a tinha encontrado. E estranhamente sentia que a amava, e há muito.
E o rio ao fundo corria, não consegui eu ver para onde, levando barcos e sonhos, homens e muitas formas de amor, castelos por acabar nas areias das praias, e que ao longo das costas, que iam ficando para trás, talvez cheias apenas de paisagens passadas, de ilusões que apenas o mar beija todos os dias, semeando liberdades por conquistar, juventudes perdidas em beijos procurados no sussurro daquelas ondas, onde apenas os olhos ficavam no espanto da noite, a tentarem ler no firmamento palavras doces e ternas, com quem pudessem depois adormecer barcos e homens, e o rio e as areias e os amores perdidos por passos dados na incerteza de alguma vez conseguir descê-lo de vez, a caminho do mar, até à ilha onde a solidão fosse perfeita, porque por fim cheia de amores."
A Impossível Solidão, José Manuel Arrobas