"Somos as coisas que moram dentro de nós.
Por isso, há pessoas que são tão bonitas,
não pela cara, mas pela exuberância do seu mundo interno."
Rubem Alves
O meu amor não cabe num poema – há coisas assim, que não se rendem à geometria deste mundo; são como corpos desencontrados da sua arquitectura ou quartos que os gestos não preenchem.
O coração das estrelas Arde no peito do céu São biliões de velas Em ermidas e capelas Que alguem um dia acendeu Uns dizem que foi Deus Que acordou para ver as horas Numa noite de Janeiro E ligou um candeeiro De estrelas e auroras Ursas cisnes e leões Sírios centauros e dragões Fazem as constelações Outros dizem que a matéria Estava presa no nada E explodiu num big bang Espalhou-se como sangue E fez a noite constelada Mas há outra explicação Que não é menos exacta As estrelas são avós Vogando em trenós de prata Lá em cima a velar por nós
Talvez seja possível amar uma mulher por causa de um livro, de um poema sublinhado, de um filme a preto e branco, de uma casa, do olhar de um homem quando fala dela, da forma como o seu cão a espera. Da reprodução de um Mondrian na parede da sala.
Talvez seja possível amar um homem por causa de um livro, de um poema de Stevenson, «my house, they say», dos olhos de uma mulher quando fala dele, da forma como o seu cão o espera.
Ana Teresa Pereira
segunda-feira, 8 de julho de 2013
"Ela gosta do tango, do dengo, do mengo, domingo e de cócega..." Chico Buarque
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto A via-láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
- Tu tens a alma bonita menina. - Como sabes? - Quando a beleza da alma é demais, transparece nos olhos.
Monique Souza
sábado, 25 de maio de 2013
"Sigo a vida conforme o roteiro, sou quase normal por fora, pra ninguém desconfiar. Mas por dentro eu deliro e questiono. Não quero uma vida pequena, um amor pequeno, um alegria que caiba dentro da bolsa. Eu quero mais que isso. Quero o que não vejo. Quero o que não entendo. Quero muito e quero sem fim. "
Para aqueles que como eu, adoram a escrita deste senhor, fiquem atentos porque hoje é apresentado o seu primeiro livro de ficção Em Nome do Pai.
"Nuno Lobo Antunes partiu da figura de José, pai de Jesus, para explorar as suas próprias dúvidas e inquietações. Concebe José como símbolo máximo do ciúme, colocando-o em confronto com a ideia de que Deus dá com uma mão para tirar com a outra: "Dá-lhe a possibilidade de existir e de viver ao lado da mulher que ama, mas com um filho que não é seu. Dá-lhe a oportunidade de viver com a sua beleza e, ao mesmo tempo, com a angústia de imaginar que alguém a possa ter tomado". in Visão
Excertos deste romance com mais de 1300 páginas que irá ser lançado em Junho:
"Não consigo; não consigo parar; quero parar com isto; acabar com isto agora; quero dizer-lhe que isto tem de parar; que tenho de parar isto porque tenho de o parar; e não consigo.
Amo-te para depois da consciência; amo-te onde a consciência não entra; sei que tenho de parar antes de ti; mas nem a consciência te resiste; estás onde nem a consciência chega; onde nem a consciência é.
Se nem a consciência lhe resiste: então é amor." .................................................
"- Diz-me onde estás. Dir-te-ei onde sou.
- És lindo.
É quando não há palavras entre nós que todos os diálogos fazem sentido, e depois até no que dizemos nos somos silêncios, Se até as palavras são silêncios: então é amor. Todos os amores se amam em silêncio. Pode haver gemidos, arfares, palavras. Mas todos os amores se amam em silêncio. Se exige ruído: então não é amor." .................................................
"Nada é mais estranho do que as pessoas normais. Nada é mais incompreensível do que as pessoas normais. Andam por andar. Fazem por fazer. E nada as contagia. Nenhum vírus as contagia.
Se não é contagiante: então não é amor. Se não é um vírus fatal: então não é amor." ..................................................
"- Sabes a para sempre. Sabes a até aos ossos.
Se sempre que está está até ao osso: então é amor. Se sempre que está está até por dentro do osso: então é amor. Se está sempre que está: então é amor. - Só sinto o que é total. Só sinto o que me abala da ponta dos pés à ponta dos cabelos. - ... - Se só me abala uma parte, não o sinto de todo. - Obrigada. - Falar contigo é como ouvir a felicidade." ..................................................
"Abro os olhos e estou bem:
há os teus a tocarem-me: os teus a acalmarem o que magoa em mim.
Se acalma o que magoa em ti: então é amor.
E é tudo o que peço à vida desde que te conheci: acordar por dentro do teu olhar: acordar por dentro dessa calma que me acalma os medos: dessa calma que me tempera os fogos." ......................................................
"- Dizes-me “bom dia” e está ganho o dia.
Gosto-te assim: a saborear um “bom dia” como se saboreia um sonho: e ao fim destes anos todos é apenas isso o que nos pedimos: um “bom dia” e um sorriso: e está ganho o dia: há tantos dias que assim nos ganhamos a cada dia.
Se até “bom dia” é uma declaração de amor: então é amor." ........................................................
"Todos os sexos deviam ser usados apenas em caso de amor.
Todos os sexos deviam vir acompanhados de uma etiqueta: Frágil. Usar Apenas Em Caso De Amor. Se não é frágil: então não é amor. E só o que é frágil tem de ter um invólucro forte, resistente, capaz de resistir a todos os trambolhões de que vai ser vítima. Se não te obriga a dar trambolhões: então não é amor." ........................................................
"- Estás bem?
- ... “Estás bem”: aqui está uma bela declaração de amor. “Estás bem” cuida. “estás bem” abraça. “estás bem” protege. “Estás bem” ama. Se não te pergunta “estás bem” a toda a hora: alguma coisa está mal. Se não te pergunta “estás bem” a toda a hora: então não é amor." ........................................................
"- Amo-te.
- Amo-te. “Amo-te” é algo que só existe em par. Um “amo-te” exige outro “amo-te”. Quando um “amo-te” vem sozinho: então não há “amo-te” nenhum. Nenhum “amo-te” anda sozinho. Quando dizes “amo-te” queres ouvir “amo-te”. “Amo-te”, mesmo que seguido de um ponto final, é sempre uma interrogação. E a resposta para a pergunta é sempre a mesma. “Amo-te”. Se “amo-te” não tem resposta: então não é amor. - Continuo a querer o teu beijo como quero um refúgio. - ... - Continuo a querer o teu beijo para me mostrar que tudo isto tem um rumo. Se não é um rumo: então não é amor." .......................................................
"- Dói tanto.
- É insuportável. - Mas aguenta-se. O pior da vida é haver coisas insuportáveis que mesmo assim se aguentam."
O teu beijo, meu amor. E à volta tudo como se houvesse à volta. Tudo como se houvesse tudo o que não é, quando te beijo, o teu beijo. O rasgo dos teus olhos, o cheiro do teu vento, a onda do teu abraço.Saber que te sou. Incondicionalmente sou-te. A tua boca por preencher a minha. Saber que me (te) rendo. A minha boca por preencher da tua. A colina dos teus braços, a luz da tua voz. Saber-me-te. Passar o tempo para não me passar de ti. O abrigo do teu colo. Sair do espaço que não és tu e saber-me fora do espaço que não sou eu. O toque da tua pele. O teu beijo, meu amor. E à volta tudo como se houvesse à volta. E à volta a certeza de que amar-te, meu amor, não tem volta.
Os ais de todos os dias, os ais de todas as noites. Ais do fado e do folclore, o ai do ó ai ó linda.
Os ais que vêm do peito, ai pobre dele, coitado que tão cedo se finou!
Os ais que vêm da alma. Ais d’ amor e de comédia, ai pobre da rapariga que se deixou enganar… ai a dor daquela mãe.
Os ais que vêm do sexo, os ais do prazer na cama. Os ais da pobre senhora agarrada ao travesseiro ai que saudades, saudades, os ais tão cheios de luto da viúva inconsolável. Ai pobre daquele velhinho: _ai que saudades menina, ai a velhice é tão triste.
Os ais do rico e do pobre ai o espinho da rosa os ais do António Nobre. Ais do peito e da poesia e os ais de outras coisas mais. Ai a dor que tenho aqui, ai o gajo também é, ai a vida que tu levas, ai tu não faças asneiras, ai mulher és o demónio, ai que terrível tragédia, ai a culpa é do António!
Ai os ais de tanta gente… ai que já é dia oito ai o que vai ser de nós.
E os ais dos liriquistas a chorar compreensão? ai que vontade de rir.
E os ais de D. Dinis Ai Deus e u é…
Triste de quem der um ai sem achar eco em ninguém. Os ais da vida e da morte Ai os ais deste país… Mário Viegas
Por vezes ouvia música. Só ela ouvia música; aliás, era ela que escolhia, mentalmente, as músicas que ouvia, ouvia secretamente essas músicas. E dançava com essas músicas; dançava com os olhos, com movimentos de cabeça, com os braços. Podia estar a ouvir pessoas e estar, ao mesmo tempo, a dançar essas músicas. Dançava; às vezes, por dentro de si mesma.
se eu morrer ontem e você por acaso acordar hoje cedo com vontade de chorar chore não esquece ... não vou estar por perto e ninguém vai reparar ouça um samba do adoniran ou do paulo vanzoline coloque um vestido indiano não passe de 2 dry martines pra coisa não desandar pense que vivi o bastante pra quem viveu por engano como um sincero farsante poeta não fui dos piores menos príncipe mais sapo alaranjei meus horrores se eu morrer ontem diga aos interessados que os convites para o enterro estão todos esgotados. Júlio Saraiva
Ainda que mal pergunte, ainda que mal respondas; ainda que mal te entenda, ainda que mal repitas; ainda que mal insista, ainda que mal desculpes; ... ainda que mal me exprima, ainda que mal me julgues; ainda que mal me mostre, ainda que mal me vejas; ainda que mal te encare, ainda que mal te furtes; ainda que mal te siga, ainda que mal te voltes; ainda que mal te ame, ainda que mal o saibas; ainda que mal te agarre, ainda que mal te mates; ainda assim te pergunto e me queimando em teu seio, me salvo e me dano: amor. Carlos Drummond de Andrade
Interessas-te por essa estranha debilidade que os outros curam, o ritmo secreto da vacilação. A tua loucura bate de áspero entusiasmo. Tens uma perigosa ciência -sabes ? É que vês, revês, prevês, tresvês. Andas sempre para a frente e para trás, páras e corres, e ficas tenso ouvindo e vendo, com a loucura toda a trabalhar. És sensível - demoníaco. ... Herberto Hélder
agora eu era linda outra vez e tu existias e merecíamos noite inteira um tão grande amor
agora tu eras como o tempo despido dos dias, por fim vulnerável e nu, e eu era por ti adentro eternamente ... lentamente como só lentamente se deve morrer de amor valter hugo mãe
Gruas no cais descarregam mercadorias e eu amo-te. Homens isolados caminham nas avenidas e eu amo-te. Silêncios eléctricos faíscam dentro das máquinas e eu amo-te. Destruição contra o caos, destruição contra o caos, e eu amo-te. Reflexos de corpos desfiguram-se nas montras e eu amo-te. ... Envelhecem anos no esquecimento dos armazéns e eu amo-te. Toda a cidade se destina à noite e eu amo-te. José Luís Peixoto
Acompanhada. É assim que os abraços nos fazem sentir. Lembras-te, que nunca mais te sentiste assim. E que aquele momento era de ambos, e que não se podia explicar, porque não pertence ao reino das palavras. Rodrigo Guedes de Carvalho